Antônio Conselheiro
Em conversa com um primo de 4º grau o Migdônio Neto residente em Araci, Ba ele me contou uma história um tanto quanto pitoresca se analisarmos os fatos e as possíveis provas. Ele me disse:
"Tem um livro chamado A guerra do fim do mundo de Mario Vargas Llosa que é um romance histórico sobre a Guerra de Canudos. Aí tem um capítulo que se passa em Nova Soure que é a passagem de Antônio Conselheiro lá em Nova Soure. Praticamente começou a guerra lá. Não sei esse personagem realmente existiu ou se foi só do romance que ele escreveu que é chamado O Leão de Natuba, que quando ele passa pra lá tinha um sujeito que era meio baixinho, cabeçudo e aí parecia uma espécie de leão, era algo anormal e aí era todo marginalizado quando Antônio Conselheiro passou por lá esse rapaz está quase sendo morto por uma acusação lá, só sei que Conselheiro consegue salvar ele e ele acompanha o Conselheiro pra Canudos aí tem uma boa parte que passa em Nova Soure".
Consegui uma cópia do trabalho de Vargas Llosa e pude dar uma lida em trechos que tratam do tal sujeito e assim pude perceber que o Leão de Natuba pertence ao círculo mais próximo ao Conselheiro, e tendo aprendido a ler quase sobre-naturalmente, é quem lhe registra todas as palavras, é o escriba de Canudos e é um indivíduo deformado, que anda como um animal, utilizando pés e mãos (seu maior mal, no entanto, é não ter fé).
"O Leão de Natuba. Outro íntimo, outro apóstolo do Conselheiro. Lia, escrevia, era o sábio de Canudos." (Mário Vargas Llosa)
Trecho do Livro A Guerra do Fim do Mundo
"Por isso tampouco ele conseguia dormir. O que ocorreria? Outra vez a guerra estava próxima e, agora, seria
pior que quando os escolhidos e os cães se enfrentaram em Tabolerinho. Brigaria nas ruas, haveria mais feridos
e mortos e ele seria um dos primeiros a morrer. Ninguém viria salvá-lo, como o tinha salvado o Conselheiro de
morrer queimado em Natuba. Por gratidão tinha partido com ele e por gratidão continuava preso ao santo,
saltando pelo mundo, pese ao esforço sobre-humano que para ele, deslocando-se a quatro patas, significavam
essas longuíssimas travessias. O Leão entendia que muitos tivessem saudades daquelas aventuras. Então eram
poucos e tinham ao Conselheiro exclusivamente para eles. Como mudaram as coisas! Pensou em quão milhares
o invejavam por estar dia e noite junto ao santo. Entretanto, tampouco ele tinha ocasião já de falar a sós com o
único homem que o tinha tratado sempre como se fosse igual à outros. Porque nunca tinha notado o Leão o
mais ligeiro indício de que o Conselheiro visse nele a esse ser de espinhaço curvo e cabeça gigante que parecia
um estranho animal nascido por equívoco entre os homens.
Recordou essa noite, nos subúrbios do Tepidó, fazia muitos anos. Quantos peregrinos havia ao redor do
Conselheiro? Depois das rezas, tinham começado a confessar-se em voz alta. Quando lhe tocou o turno, o Leão
de Natuba, em um arrebatamento impensado, disse de repente algo que ninguém lhe tinha ouvido antes: [Eu
não acredito em Deus, nem na religião. Só em si, pai, porque você me faz sentir humano]. Houve um grande
silêncio."
Fonte: Livro A Guerra do fim do mundo, Mário Vargas Llosa
IMAGEM: http://www.centrosabia.org.br/noticia/a-fe-na-defesa-da-vida-e-dos-biomas-brasileiros-antonio-conselheiro-padre-cicero-e-padre-ibiapina
Texto: Profº. André Almeida, 2020.
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